Ementa

DIREITO ASSISTENCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (LOAS – LEI Nº. 8.742/1993). PORTADOR DE VÍRUS HIV (AIDS) ASSINTOMÁTICO. INCAPACIDADE DE PROVER A PRÓPRIA MANUTENÇÃO. CONSIDERAÇÃO DE CONDIÇÕES SÓCIO-CULTURAIS ESTIGMATIZANTES. NECESSIDADE. JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DESTA TURMA NACIONAL. APLICAÇÃO DA QUESTÃO DE ORDEM Nº. 20, TNU. OPORTUNIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA E ACÓRDÃO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. ARTS. 7º VII, “A” E 15, §§ 1º E 3º, DA RESOLUÇÃO CJF Nº. 22 DE 4 DE SETEMBRO DE 2008 (RI/TNU). 1 – Pedido de Uniformização manejado em face de acórdão que negou provimento ao recurso inominado e manteve a sentença que julgou improcedente o pedido de concessão do benefício de prestação continuada (LOAS – Lei nº. 8.742/1993) com fundamento em laudo pericial conclusivo pela capacidade para o trabalho, sem exame de condições sócio-culturais estigmatizantes da patologia. Portador de vírus HIV (AIDS) assintomático. 2 – Nos termos do art. 20, LOAS, na redação dada pela Lei nº. 12.470/2011 (que apenas explicita regas implícitas): “Para efeito de concessão deste benefício [prestação continuada], considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (§ 2o); “A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social – INSS” (§ 6º). O estigma social que possa recair sobre o portador do vírus HIV (AIDS), ainda que assintomático, erige-se como potencial barreira à sua plena e efetiva inserção social em igualdade de condições, impondo-se a aferição de sua condição e grau. Há que se verificar se suas condições sociais permitem o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. Essa é a interpretação que assegura a efetivação dos objetivos da assistência social, vale dizer, a garantia da vida através da prevenção e redução dos riscos de dano (art. 2º, I, LOAS). 3 – Jurisprudência dominante desta Turma Nacional: “a questão jurídica que merece enfrentamento é a da possibilidade de concessão de benefício por incapacidade não constatada em laudo médico quando presentes outras circunstâncias que acabam por inviabilizar qualquer tipo de exercício de atividade remunerada, normalmente ancoradas no estigma social que cerca doenças como a AIDS. (…) Lembro que este Colegiado tem posicionamento consolidado no sentido do reconhecimento do direito a benefício previdenciário por incapacidade, independentemente de esta se encontrar identificada no laudo pericial, quando o julgador afira a presença de condições pessoais ou sociais que provoquem a sua caracterização. Assim, não obstante a conclusão médica apontar a possibilidade de exercício de atividade remunerada, outros elementos podem levar o magistrado sentenciante à conclusão de sua impossibilidade, em face da extrema dificuldade de inserção ou reinserção no mercado de trabalho, situação em que a negativa de concessão do benefício implica ofensa à dignidade humana” (PEDILEF nº. 0005872-82.2010.4.01.3200, Relª. Juíza Federal Simone dos Santos Lemos Fernandes, DOU 23.3.2012); “(…) a jurisprudência consolidada nesta TNU já se firmou no sentido de que os portadores do vírus da AIDS, mesmo que assintomáticos, devem ter sua incapacidade aferida com base nas condições pessoais, sociais e econômicas, visto tratar-se de doença estigmatizante” (PEDILEF nº. 0512178-77.2009.4.05.8100, Rel. Juiz Federal Paulo Arena, DOU 11.5.2012); “A TNU tem posicionamento consolidado no sentido de que circunstâncias de natureza socioeconômica, profissional e cultural especificamente suscitadas pelo requerente devem ser levadas em conta para aferir se existe, na prática, real possibilidade de inserção no mercado de trabalho. Apesar de o laudo pericial atestar que, sob o ponto de vista clínico, não há impedimento objetivo para o exercício de atividade profissional, é, em tese, possível que o estigma social decorrente da contaminação pelo vírus HIV inviabilize, na prática, a obtenção de colocação profissional no meio social rural em que a requerente vive.” (PEDILEF nº. 0520803-66.2010.4.05.8100, Rel. Juiz Federal Rogério Moreira Alves, DOU 6.7.2012) 4 – No caso sub examine, o recorrente alega possuir baixa escolaridade, qualifica-se como pintor e refere discriminação social em virtude de ser portador do vírus HIV. Ademais, reside em Sobral, município no interior do Ceará. Dessa forma, sua incapacidade há de ser aferida ponderando-se a possibilidade de inclusão no mercado de trabalho, em face de suas condições pessoais e do meio sócio-cultural em que está inserido. 5 – Aplicação da Questão de Ordem nº. 20 desta TNU: “Se a Turma Nacional decidir que o incidente de uniformização deva ser conhecido e provido no que toca a matéria de direito e se tal conclusão importar na necessidade de exame de provas sobre matéria de fato, que foram requeridas e não produzidas, ou foram produzidas e não apreciadas pelas instâncias inferiores, a sentença ou acórdão da Turma Recursal deverá ser anulado para que tais provas sejam produzidas ou apreciadas, ficando o juiz de 1º grau e a respectiva Turma Recursal vinculados ao entendimento da Turma Nacional sobre a matéria de direito”. 6 – Incidente de Uniformização conhecido e parcialmente provido, para anular a sentença e o acórdão recorrido, a fim de que, no âmbito do JEF, seja dada oportunidade ao requerente de produzir prova das condições sócio-culturais estigmatizantes que entenda necessárias e suficientes. 7 – O julgamento deste incidente de uniformização, que reflete o entendimento consolidado da Turma Nacional de Uniformização, resultará na devolução à Turma de origem de todos os outros recursos que versem sobre o mesmo objeto a fim de que mantenham ou promovam a adequação do acórdão recorrido à tese jurídica firmada, em cumprimento ao disposto nos arts. 7º VII, “a” e 15, §§ 1º e 3º, da Resolução CJF nº. 22 de 4 de setembro de 2008 (RI/TNU). (05038635120094058103, JUIZ FEDERAL ALCIDES SALDANHA LIMA, DOU 31/08/2012.)

Emissão: 16/08/2012
Publicação: 31/08/2012
Número: 70
Emissor: TNU
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